Edward HOPPER e Gregory CREWDSON – Cenas da Vida

Morning Sun, Edward Hopper, 1952

Morning Sun, Edward Hopper, 1952

Estou convicta de que este exercício ultrapassa largamente o meu conhecimento acerca destes artistas e as minhas capacidades de os ler tecnicamente. Pode ser que consiga, pelo menos, pôr em palavras aquilo que sinto quando olho para os seus trabalhos. 

Descobri o trabalho do pintor Edward Hopper há uns anos – apaixonei-me – e, no último aniversário, tive a sorte de me oferecerem o livro da Taschen sobre ele. O Gregory Crewdson (fotógrafo) foi-me apresentado à mesa do jantar de aniversário de um bom amigo, há uns meses, no meio das muitas conversas que decorriam em simultâneo e nas quais, como boa neta da minha avó, ia deixando cair o ouvido. Não considero ter qualidades extraordinárias de memorização mas este nome, discípulo de Hopper, disseram, ficou guardado, e procurar por ele foi a primeira coisa que fiz no dia seguinte quando acordei, meio amassada da noite anterior. 

Gregory Crewdson (1962) nasceu em Nova Iorque cinco anos antes de Edward Hopper (1882-1967) morrer, na mesma cidade. Poderão ter-se cruzado, mas certamente não se conheceram. Ambos estudaram artes; um pintou a mesma mulher, a sua, também pintora, quase toda a sua vida; o outro rodeia-se de equipas de, por vezes, mais de cem pessoas que preparam a cena para a fotografia. Ocupa(ra)m-se ambos muito da cor, do enquadramento, do realismo das suas pinturas e fotografias. Têm ambos uma história de vida muito mais rica do que a que entra neste parágrafo, mas aqui cabe principalmente apostar que ambos se encantaram por pessoas e pelas infinitas possibilidades que a vida de cada uma delas continha e contém. 

Não é curioso que sejam as pinturas de Hopper ou as fotografias de Crewdson que contam as histórias das pessoas que nelas vivem, aquelas que mais me comovem e me fazem ficar minutos intermináveis só a olhar e a imaginar quem foram e quem são, como viveram e vivem, o que as fez e faz felizes, o que as inquietou e inquieta, do que sofreram ou sofrem, o que as fez e faz continuar ou ficar, o que as motivou e motiva. E o que os motivou e motiva a eles – pintor e fotógrafo – para a tamanha generosidade de se porem nos pés de todas elas e ensaiarem todas aquelas diferentes formas de vida. 

Creio que há mais do que uma razão para este meu fascínio: levam-me ambos para lugares quotidianos e interiores (ainda por cima, deixam-me fazer uma das coisas de que mais gosto que é olhar para pessoas e para dentro das suas casas); lugares solitários mas não ausentes (tenho para mim que a forma mais cruel de abandono é o abandono de cada um por si mesmo); lugares que, apesar da quietude, têm marcas óbvias de que a vida andou e anda por ali (uma cama por fazer, roupa no chão enquanto a mulher se prepara para ir tomar banho, uma cortina ao vento numa noite de verão e a janela aberta que deixa entrar aquela aragem fresca, flores vivas numa jarra). Lugares inquietantes e, não estranhamente, pouco silenciosos, pois se são frequentemente os lugares interiores, mesmo com pinturas ou fotografias de exterior ou de pessoas com os olhos postos num infinito que poderia até invocar o perdido, aqueles que tenho vontade de ir buscar ou conhecer. 

Por estes dias, tanto apaixonada quanto obsessiva, procuro várias vezes os quadros de um e as fotografias do outro e ponho-me a sonhar que sou eu que estou ali. E, se fosse, o que estaria a sentir? Depois, volto às paredes da casa e apercebo-me de que não estou naquelas pinturas ou fotografias de cena e isso alegra-me precisamente por não estar e por poder aproveitar as cenas desta vida real para escutar os desatinos do meu lugar interior, umas vezes mais silencioso do que outras.

Alegra-me sentir que vou sair desta “coisa” que não é encenada, se não mais forte, pelo menos, menos desconhecida de mim mesma. 

 
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